Archive for junho \21\-03:00 2009

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Trégua para Van Gogh.

junho 21, 2009

Caia o silencio na sentença
Caia a dor no poema
Que o são trema
E a alma
Sinta

Caia o senso da demencia
Caia a cor no poema
Que a mão tenta
E a alma
Pinta

Caia o silencio,
         Caia o poema.
                O são surta
                         Na alma tinta! 

 

Dudu Oliveira.

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Quem nasceu primeiro…

junho 21, 2009

 

O uso da língua pode apresentar-se na forma de linguagem falada; nesse caso, tem uma finalidade prática que é a comunicação imediata e objetiva. Pode ainda dirigir-se a uma finalidade estética, tanto no caso da prosa literária, como no da poesia.

A prosa literária é expressão do não eu ou do objeto; ela é, a priori, denotativo-conotativa. Crônica, conto, novela, romance, pertencem á categoria de prosa literária.

A poesia é a expressão do eu na realidade interior e é predominantemente conotativa.  Na prática, nem sempre é fácil distinguir entre poesia e prosa.
O poema em versos brancos é aquele em que não há o emprego de rimas no final dos versos; no poema em versos livres não se utilizam versos com a mesma métrica. Já o poema de forma livre apresenta uma combinação desses dois elementos: não utiliza rimas nos finais dos versos e não apresenta versos isométricos.

O poema de forma fixa pode apresenta-se em versos brancos, porém com isometria (caso das sextinas entre outros), mas a grande maioria dos poemas de forma fixa segue esquemas de rima e de metro.

No caso de prosa poética temos uma obra em prosa, onde há presença de soluções poéticas. Há casos em que, pela força desses recursos, é difícil fazer uma distinção. Tem extensão breve como a maioria dos poemas. O poema em prosa trata da matéria poética, mas faz uso da disposição gráfica da prosa. O ritmo segue recebe mais atenção do que a sintaxe, e pode haver simetria entre as frases.

Apenas um dos acoplamentos (fônico ou semântico) é necessário (embora existam outras ocorrências), para conduzir à unidade do poema. Sob essa ótica, onde há acoplamento semântico e apenas semântico, existe poesia.
Diante disso, poderíamos inferir que, por parte de autor, existe uma técnica subjacente na composição dos versos livres; o poema é construído pela utilização do processo de imbricar componentes semânticos independentes em componentes posicionais independentes, repetidas vezes. Dessa forma, o leitor depara-se com vários acoplamentos de mesma espécie, que criam paralelismos os quais, por sua vez, lhe permitem identificar a estrutura poética do texto.

Essa poderia ser a razão pela qual, nos poemas em versos livres, a reiteração está mais presente do que nos poemas de forma fixa. A relação entre esses paralelismos é estabelecida pela referência extralingüística, configurando uma estrutura importante para a poesia. Apresento essa idéia porque creio que pode tratar-se da técnica para a elaboração de versos livres.

Enquanto a poesia nasceu para ser declamada, a prosa destina-se a ser lida. A maior parte dos gêneros prosaicos está separada da linguagem oral; seu destino é a linguagem escrita com um estilo próprio.

Na prosa literária, a narração é feita através de formas epistolares, memórias ou notas, estudos descritivos, folhetins e outras formas, todas elas constitutivas da linguagem escrita, destinando-se ao leitor e não a um ouvinte; são construídas a partir do que é escrito e não a partir da voz.
O verso deve ser considerado como um complexo necessariamente lingüístico, assentado sobre leis particulares que não repousam sobre a língua falada. O verso nos apresenta os resultados de uma combinação de palavras ao mesmo tempo rítmica e sintática.
Existe uma questão que não parece estar bem clara no momento atual. Lidamos com alguns aspectos bem definidos. Tanto a poesia, como a prosa literária (uma destinada a ser declamada e outra a ser lida), diferem da palavra falada, da linguagem como instrumento de comunicação no convívio social. Parece-me que não carece buscar delimitar o que é poesia pela necessidade de atestar a validade do verso livre; ele é claramente aceito como tal.

Os limites que buscamos para diferenciar linguagem coloquial, prosa e poesia são sempre bastante tênues. O ritmo não pode ser o parâmetro para estabelecer diferenças, já que existe tanto na linguagem coloquial, quanto na prosa literária ou na poesia, seja um poema de forma fixa ou um poema em versos livres. Creio que o mais produtivo seria buscar definir o que separa a linguagem literária da linguagem quotidiana, usual, para em seguida buscar entender quais as leis que regem a prosa literária e quais as que regem a poesia em forma fixa e em forma livre. Esse tipo de abordagem permitiria uma visão holística do campo de aplicação dos diferentes discursos.

Bastaria a constatação de que um texto em prosa literária possa receber inserções de trechos poéticos, para dizer que a ruptura semântica também ocorre na prosa ou poder-se-ia entender que o texto em prosa literária (conto, novela, romance), por ser mais longo, poderia conter textos de outras áreas, com posição estanque dentro do conjunto? Não seria questão de a prosa ser um estilo que permite tal ocorrência?

 Pode ser o caso de que não estamos considerando a idéia de sistemas, dentro de sistemas; pode ser ainda que haja necessidade de maior afastamento do objeto de estudo.

E se, retrocedendo, considerássemos a seguinte pergunta: a linguagem falada, apesar de ter uma finalidade prática, é absolutamente isenta de soluções poéticas?

 

Nilza Azzi.

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O Formalismo Russo e seu contexto.

junho 20, 2009

Uma observação atenta sobre a crônica das duas primeiras décadas do século vinte registrará um avanço significativo nas relações políticas, artísticas e sociais. As invenções amplificaram a comunicação, via rádio, encurtaram distancias com o uso massivo do automóvel e as concentrações urbanas realizaram os contrastes da diversidade de gosto e atuação intelectual. Arrematando todo este panorama um evento de proporções inimagináveis para catalisar e ordenar toda esta conjuntura: a Primeira Guerra Mundial.

A instabilidade política atingia um grande contingente e abria espaços para as mais variadas manifestações em diversos segmentos sociais. A mobilidade provocada pelo conflito aproximou agentes das mais variadas correntes de pensamento, de inúmeras manifestações artísticas constituindo uma vanguarda que estabeleceria uma nova ordem.

O cubismo expressava uma leitura menos arbitrária nas artes plásticas, a intervenção do artista se afirma em detrimento da interpretação do destinatário; este advento enuncia a necessidade de uma nova sintaxe para reorganizar este código. O dadaísmo e o jazz ganham representatividade como expressão e abandonam a marginalidade e passam a representar o transito da valorização de outras manifestações dentro das letras e da música.

Chaplin estabelece uma relação artística com o cinema; apesar de outras ocorrências no cinema mudo, é Chaplin quem liberta o artístico do entretenimento mágico que prevalecia no cinema. O mundo científico está debruçado sobre a Relatividade de Einstein, nossas noções de ciência estarão alteradas para sempre.

A Revolução Russa derruba o czar e redesenha uma nova Rússia, desde os modos de produção, passando pela conformação social até seus efeitos atingirem os círculos acadêmicos, culturais e artísticos. A nova maneira de se relacionar com os valores gerais irá moldar a atuação dos novos atores dentro da nova Rússia.

Foi nesse contexto que surgiu uma das mais importantes correntes críticas da literatura, o Formalismo Russo, que daria o pontapé inicial para os estudos modernos no campo das Letras.

A designação Formalismo Russo, segundo Todorov e Jakobson, tem cunho pejorativo e era como seus detratores se referiam aos métodos aplicados; mas foi assim que o movimento ficou conhecido. Destacavam-se no grupo Viktor Chklovski, Mikhail Bakhtin, Vladimir Propp, Óssip Brik, Yuri Tynianov, Boris Eichenbaum, Boris Tomachevski e Roman Jakobson.

Os objetivos eram aproximar a crítica literária, então empírica e positivista, de uma abordagem metodológica e científica; opondo-se as doutrinas simbolistas desprovidas de fundamentação filosófica e de método, ou seja, segregava as relações abstratas. Esta abordagem distanciaria as visões de segmentos das escolas literárias e se prenderiam de fato aos elementos de literariedade do texto, ou seja, aquilo que lhe confere caráter literário.

No inverno de 1914, em Moscou, um grupo de alunos funda o Círculo Lingüístico de Moscou; seus campos eram a poética e a lingüística que através de abordagens paralelas explicitaria referenciais comuns aos dois campos. Estas análises representaram significativa inovação nas relações entre literatura e lingüística.

Nesta época foi cunhado o termo função poética, que consolidou a relação dos referenciais conotativos como um elemento primordial na conformação do texto poético e direcionou os estudos naquela época.

A nova ordem social provocava seus reflexos na cena literária russa, e seus atores de vanguarda inquietos com o esgotamento da velha estética e buscando novas formas de expressão, aliam-se ao Círculo Lingüístico de Moscou; da mesma forma como a revolução alterara profundamente a Rússia os novos poetas pretendiam revolucionar a literatura do seu país. Desta forma Maiakovski, Pasternak, Mandelstam e Assiéiev dentre outros participaram do movimento.

A poesia buscava novos rumos estéticos enquanto a crítica já não se importava com a dicotomia existente entre o clássico e romântico, considerando tais preocupações ultrapassadas.

A Ressurreição da Palavra (1914), de Viktor Chklovski, foi à primeira publicação do grupo, seguiu-se a coletânea Poética (1916), de Óssip Brik, cuja finalidade era divulgar os primeiros trabalhos do grupo. Em 1917 surgiu, em São Petersburgo, a OPOJAZ, Sociedade para os Estudos da Linguagem Poética, da qual os dois autores eram membros.

Apesar de sua estrutura teórica o Formalismo Russo não elaborou uma doutrina coesa, que estabelecesse um paradigma em suas conclusões. Os estudos e análises de alguns princípios teóricos que foram sugeridos pelos estudos de uma matéria concreta em suas particularidades específicas; e não por um sistema completo, metodológico ou estético, que daria caráter complementar as partes consideradas.

O Formalismo Russo caracterizou-se pela recusa de abordagens extrínsecas ao texto; psicologia, sociologia, filosofia etc., que serviam de base para estudos literários realizados até então por uma abordagem positivista, não poderiam constituir as bases de análise da obra literária, que deveria ser efetuada por meio dos constituintes estéticos sem relevar aspectos externos.

“O que nos caracteriza não é o formalismo enquanto teoria estética, nem uma metodologia representando um sistema científico definido, mas o desejo de criar uma ciência literária autônoma a partir das qualidades intrínsecas do material literário.”

Teoria da Literatura: Formalistas Russos (Globo, 1976), Boris Eichenbaum.

Os formalistas consideravam que a obra literária não era um mero veículo de idéias, tampouco uma reflexão sobre a realidade; era um fato material plausível de análise. Era formada por palavras, não por objetos ou sentimentos, e seria um erro considerá-la como a expressão do pensamento de um autor.

Os formalistas buscavam criar uma ciência da literatura, que deveria afastar-se de aspectos extra literários, e para que isso fosse possível, a literatura deveria ser estudada isoladamente, daí a necessidade de conceitualização da literariedade, que daria o respaldo necessário para aquilo que almejava: o estudo da natureza autônoma da linguagem poética e sua especificidade como um objeto de estudo da crítica literária.

As opiniões dos formalistas entraram em conflito com os teóricos de inspiração marxista, pois estes consideravam que a nova poética não deveria ignorar as realidades sociais e sua relação com as manifestações artísticas.

Roman Jakobson cunhou uma das mais importantes considerações da postura formalista, que acabou se tornando quase um manifesto do movimento:

“A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam- se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante. Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia, etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o ‘processo’ como seu único ‘herói’.”

Principais características da literariedade, segundo os formalistas:

  • A linguagem literária produz; a linguagem não-literária reproduz;
  • A mensagem literária é auto centrada;
  • Apresenta seus próprios meios de expressão, ainda que se valendo da língua;
  • As manifestações literárias podem envolver adesões, transformação ou ruptura em relação à tradição lingüística, à tradição retórico-estilista, à tradição técnico-literária ou à tradição temático-literária;
  • Aspectos acústicos, articulatórios ou semânticos;
  • Cria novas relações entre as palavras, estabelece relações inesperadas e estranhas;
  • Cria significantes e funda significados;
  • Formas lingüísticas com valor autônomo;
  • Linguagem conotativa;
  • Metáfora ou metonímia;
  • Não existe uma gramática normativa para o texto literário, seu único espaço de criação é o da liberdade;
  • Objeto lingüístico e estético ao mesmo tempo;
  • Paralelismos;
  • Plurissignificação ou polissemia;
  • Predomínio da função poética;
  • Sonoridade, ritmo, narratividade, descrição, personagens, símbolos, ambigüidades, alegorias e mitos;
  • Universalidade.

Acerca da literariedade proposta por Jakobson, Eichenbaum tece algumas considerações:

“Estabelecíamos e estabelecemos ainda como afirmação fundamental que o objeto da ciência literária deve ser o estudo das particularidades específicas dos objetos literários, distinguindo-os de qualquer outra matéria, e isto independentemente do fato de que, por seus traços secundários, esta matéria pode dar pretexto e direito de utilizá-las em outras ciências como objeto auxiliar.”

Viktor Chklovski diz que a língua poética difere da língua prosaica pelo caráter perceptível de sua construção. Jakobson afirma que se a intenção da comunicação detém um objetivo puramente prático, ela faz uso do sistema da língua cotidiana, do pensamento verbal, na qual as formas lingüísticas, os sons, os elementos morfológicos etc., não têm valor autônomo e não são mais que um meio de comunicação.

Um dos fundadores da Teoria da Narrativa, ou Narratologia, Vladimir Propp, ao analisar os componentes básicos do enredo, nos contos populares russos, visando a identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis.

Seus estudos são um ótimo exemplo de análise probabilística aplicada à literatura, configurando o caráter puramente científico que os formalistas pretendiam atribuir aos seus estudos. Propp encarava os contos como algoritmos combinatórios, em que os nomes e os atributos dos personagens constituem valores permutatórios, enquanto suas ações ou funções permanecem constantes, ou seja, nos tais contos, as mesmas histórias eram repetidas, alterando-se apenas os personagens.

A Morfologia dos Contos de Fadas, publicado por Propp em 1928. no qual estabelecia os elementos narrativos básicos que ele havia identificado nos contos folclóricos russos. Basicamente, Propp identificou sete classes de personagens, seis estágios de evolução da narrativa e 31 funções narrativas das situações dramáticas. A linha narrativa que ele traça, ainda que flexível, é fundamentalmente uma só para todos os contos.

O Formalismo Russo influenciou muitos estudiosos e deixou um legado considerável aos estudos literários e lingüísticos. Entre seus sucessores está a Escola de Praga, ou Círculo Lingüístico de Praga, fundado em 1926 por Roman Jakobson, que se mudou para a Tchecoslováquia após a dissolução do Círculo de Moscou. O grupo adotava uma perspectiva semiótica geral para o estudo científico da literatura e, em outro campo, a fonologia viria a tornar-se sua base paradigmática num diferente número de formas.

Os conceitos de Mikhail Bakhtin a respeito de dialogismo, polifonia (lingüística), heteroglossia e carnavalesco, bem como os conceitos de análise estrutural da linguagem, poesia e arte realizados por Roman Jakobson, foram de extrema importância para os estudos modernos na Lingüística e da Teoria na Literatura, influenciando inúmeros autores.

Também fortemente influenciado pelo Formalismo Russo, o Estruturalismo, surgido na França, alcançou grande repercussão no fim da década de 1960 graças aos escritos de Roland Barthes. A crítica estruturalista distinguia-se por analisar as obras literárias por meio da Semiótica, ou ciência dos signos.

O Formalismo Russo estabeleceu a forma e os elementos que seriam preponderantes na análise do texto daquele momento em diante, a literalidade e a narratologia formaram com outros elementos um conjunto de impressões e efeitos que deveriam ser prospectados e valorados nesta nova realidade do texto; que prevalece como referencial sólido ainda em nossos tempos.

Dudu Oliveira.

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O duplo.

junho 20, 2009

As duas vidas que eu tenho
Já dizem bem onde estou
E diz também de onde venho…
E sendo dois, quem eu sou?

À parte o que cabe ao engenho,
Que minha arte de ser resultou
Nas duas partes que empenho;
Que lutam, se juntam e sou…

A angústia da face dos gêmeos
Que esta ambiguidade comprova;
Prova acaso quem sou? Nada prova…

Serei a redundância dos genes?
Se ainda não sei quem eu sou,
Que importa, serei o que tenho!

Dudu Oliveira.

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O Visitante.

junho 20, 2009

Havia tempos que não experimentava o vazio desta saudade consumada, desta memória imortal. Um tempo sem velhice.  O confinamento numa eternidade absoluta. Uma memória que se foi enevoando sem abater sua figura, indevassável e imutável, neste tempo cristalino que jamais passará.
Para sempre serei seu menino, agarrado nesta mão, sustentando este fiapo de vida que foi nos separando, este frio que foi se instalando enquanto chorávamos…
Nosso jogo de bola, rir de coisa alguma, feliz de uma felicidade sem motivo, rir do seu riso…
Olho em volta todos estão tristes, as mãos trancando uma prece travada… Não estou triste não, é este vazio que foi devastando nossas alegrias.
Sinto falta do seu abraço, da sua loção de barba, a vibração da sua voz, quanta coisa foi se reduzindo à sua presença, e agora tudo o que me falta retorna na tua ausência.
Sinto um vazio só de lembrar do hospital, naquelas vidas mantidas por esperanças, fraquejando diante da fragilidade da fé. Corredores impregnados dos odores da morte, que foi entranhando até tornar-se parte da nossa pessoa. O convívio com a dor, um exercício inominável de tristeza e temor.
Havia uma sensação da vida desgarrando das pessoas, transitando nos corredores que chegava aos ossos.
Queria que você soubesse que tenho saudades, que pouco falei que te amava e quanto me orgulhava ser seu filho. Este tempo passou tão rápido, ficou tanta coisa por dizer… Eu queria dizer que te amo, mais uma vez, e que você entendesse o tamanho da gratidão e da felicidade que vai dentro deste amor.
A morte é um mistério, entristece e ensina. Esgota as certezas e obriga tudo a se renovar, mas esta saudade, este amor vai se expandindo até que esta ausência conduza a uma sabedoria. Espero que a morte não lhe seja triste, pai. Não a sinto assim. Está tarde tenho que ir.
Cuida do mundo, que eu fico com Deus…

                         * com o auxílio luxuoso do Amargo.

 

Dudu Oliveira.

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Sobre a Prosa Poética.

junho 20, 2009

 

Prosa e verso são duas definições de maior ocorrência no discurso, que de fato confrontam, sendo o discurso em prosa, “prorsa oratio”, discurso que avança, em oposição ao discurso em verso, discurso que avança e retrocede; portanto, não se opõe a poesia. Não há contradição, e se faz necessário atentar para o curso específico de cada uma das modalidades de discurso.

Considerando que a primeira forma de expressão literária é o discurso metrificado, posteriormente surgirá a prosa por conta dos estudos filosóficos, e em seguida no romance helenístico. Nota-se a primeira sobreposição do teor narrativo ao elemento rítmico no discurso literário.

Durante a Idade Média verso e prosa se alternaram como formas de discurso, sem predominância hegemônica de nenhuma das modalidades; havia exercícios de escola que propunham a transformação do discurso ritmado em prosa livre. A versificação do discurso em prosa também não era incomum.

A circunstancia que relacionava as duas modalidades de discurso era a Retórica e seus princípios de regência, colocadas acima do discurso em prosa e do discurso em verso. A natureza da retórica exigia em sua prática o domínio de aspectos distinto nas duas modalidades de discurso e havia a clausula ritmada, certos aspectos de vocalização e acentuação ao término dos períodos, algo próximo da rima.

A disseminação do estudo da retórica determinaria a simplificação da clausula em três cursus; planus, tardus e velox. As acentuações rítmicas finalizantes que prevaleceram neste período, em verdade, o prosador hábil encontra naturalmente o ritmo adequado para fecho dos períodos.

O Renascimento traz consigo a força da prosa narrativa, livre de imposições rítmicas rígidas e comparada aos modelos da época, despojadas de excessos. Boccaccio, Thomas Morus e Erasmo são alguns dentre os destaques da modalidade neste período.

Embora ainda predominasse a utilização de elementos de ritmo, esta prosa narrativa apresentava unidades mínimas narradoras; explico: as frases regiam-se, primariamente, pelos princípios gramaticais.

O verso continua constituir a unidade mínima de um discurso regido primariamente pelo princípio rítmico. A Prosa poética virá representar um compromisso na importância relativa dos dois elementos formadores do discurso: o semântico e o formal.

Caracterizada pela manutenção, ainda que por vezes à espera de ser explicitada, do princípio rítmico, em detrimento do semântico narrativo. Sendo assim, a função referencial da narração perde em importância no caso da Prosa Poética.

O começo da descrição da serra, na chegada dos amigos de Paris, em A cidade e as Serras, de Eça de Queiros, é dado no enunciado seguinte: “A grandeza igualava a graça”, o que pode ritmicamente reduzir-se à equação (gr=gr). Estamos perante a realização duma das exigências da Prosa poética, realização pontual numa obra de prosa narrativa: a motivação rítmica.

Ao discurso pertence, além do ritmo que o fundamenta exteriormente, a imagética que decorre da revelação subjetiva e instaura um enigma semântico e semiótico, decorrente duma necessidade interna, não semanticamente mediada. Desvinculadas da sua racionalidade utilitária, as coisas do mundo – até as mais insignificantes ou primitivas – têm a possibilidade de se mostrarem belas pela “Necessidade Interna”. Qualquer tema serve com efeito à prosa poética, contento que perca as arestas objetivas e utilitárias, uma das quais é a que pode chamar-se “ética da narrativa”, ou seja, o caminho em direção a um fim exemplar.

A prosa poética leva assim não tanto à fruição semântica, como á fruição das unidades semióticas e, especificamente, de pronúncia, com a marcação de pausas e atenção especial á articulação, á entoação e à criação de melodia. Pode haver mesmo interferência na coerência lógico-semântica, bem como na fonologia e sintaxe em Joyce, ou apenas discretas manifestações isoladas, caso citado de Eça de Queirós.

A linguagem quer dizer, tem função semântica e, ao mesmo tempo, é uma organização com concretude própria, então estas duas funções vão até a latência da segunda no discurso narrativo pragmático, e podem ir até à quase latência na prosa poética.

Mesmo assim, alguns estudiosos são rígidos na diferença que estabelece entre prosa e poesia, e vai mesmo ao ponto de afirmar que na prosa as palavras só devem significar e nada mais. Interessante, pela sobreposição, afinal mimética, do princípio da verossimilhança estilística ao dogma canônico do gênero, é a reflexão que Almeida Garrett faz no prólogo ao Frei Luís de Sousa, onde fundamenta a sua decisão pela prosa.

O exemplo acabado da correção do discurso com intenção poetizante: “do bramido do mar e do rugido das ventanias” vs. “do bramido do mar e do rugido dos ventos”, primeira versão e versão definitiva de Alexandre Herculano.

A substituição de ventanias por ventos cria dois grupos de palavras absolutamente iguais. São duas redondilhas copuladas, que se correspondem ritmicamente até nos pormenores mais pequenos, e nas quais a rima exterior e a interior tornam completa a simetria. Aqui não pode calcular-se que quaisquer impulsos partiram do semântico; aqui, evidentemente, a ênfase rítmica atuou como motivo da modificação.

Em casos em que, como neste, impera a simetria rítmica, a prosa poética é fácil de reconhecer. Se, no entanto, o critério é interno, então pode pôr-se ainda a questão Prosa poética vs Verso livre. A fronteira está nesse caso na legibilidade do texto, e isso poderá corresponder à “intenção de efeito”, em oposição à “intenção de comunicação”. Neste sentido, a prosa poética é prosodicamente sempre prosa.

 

 Dudu Oliveira.

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A menina silenciosa.

junho 19, 2009

 

… e a menina vivia enfurnada num castelo de silêncios e as presenças contínuas se confundiam nas pausas onde os ruídos perturbavam um inaudível solilóquio.

As atenções se voltavam para os eventos como se a dinâmica fosse à alma das substancias e tudo só existisse em movimento. Aquela menina habitava um universo de silêncios, seus olhos investigavam os brinquedos com efêmera curiosidade e circundavam o ambiente num exercício de reconhecimento.

Buscava um ponto discreto e se voltava a observar formigas ou coisa que o valha. Seus olhos não evitavam os olhares apenas transpassavam-nos como se as pessoas fossem translúcidas e seu interesse se localizasse adiante.

Algumas pessoas se recordam de ter flagrado algum sorriso quase sempre associado a jogos com pedras e bonecas inertes, que sequer possuíam nomes, como das meninas na sua idade.

Ela vivia uma existência secreta que escapava das atenções e remetia a interesses inatingíveis e indevassáveis.

Assim sem muito alvoroço a menina desapareceu e levou com ela toda reverencia por um silencio que trazia em si. Ficou evidente toda a solidão que aquele alarido sem medida trazia para aquela casa. Os olhos procuravam-na nos seus cantos preferidos, enfim perceberam a ausência das bonecas e a rota das formigas que agora habitavam a casa sem governo.

As pessoas conversavam mais alto como se o volume de suas vozes pudesse sufocar a força aterradora daquele silencio. A televisão rugia num transe lisérgico e inundava a sala com sua solidão pasteurizada, imitava um pretenso dialogo que no fim da noite apenas deprimia e não estancava a agonia.

Todos seguiam condenados pela força daquela ausência e viviam esta falta com a retidão de justa sentença, era necessário que houvesse justiça e a paz era o retrato da menina sobre o criado mudo aos quatro anos – duas semanas antes de partir. 

 Dudu Oliveira.

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A moral e a eugenia.

junho 19, 2009

A clonagem da ovelha Dolly, ao mesmo tempo em que representou um significativo avanço técnico-biológico, trouxe à tona questões de fundo moral e filosófico acerca da manipulação genética. Finalmente o mundo contemporâneo dispunha, comprovadamente, de resultado concreto de uma experiência de replicação de um ser vivo.

O que mais provocou excitação aos diversos segmentos sociais era o fato, que a partir daquele momento, a humanidade dispunha de conhecimento técnico para, segundo conservadores, afinal “brincar de Deus’.

O mundo de hoje é o resultado de muitos confrontos e muitas renúncias; então vejamos todos os paradigmas religiosos, de alguma forma, repudia a interferência humana no processo da reprodução humana e proíbe abertamente qualquer método que não seja o natural para a criação da vida.

Quando do anúncio da réplica de Dolly, as maiores representações religiosas vieram a se manifestar, de forma a registrar os seus protestos quanto à usurpação dos atributos inalienáveis do divino. Tornou-se imperativo defender o mistério da vida como um atributo divino, num período de realizações temporais e evoluções palpáveis oriundas da tecnologia e do conhecimento humano.

Os clérigos de todas as religiões professam a criação da vida, em especial a vida humana, como um elo entre dois mundos, temporal e celestial; ao considerar a possibilidade da obtenção da vida pelo gênio e ciência humana, teríamos a ruptura do pacto celestial, se em algum tempo houver existido.

A ciência, da forma como é praticada, antes de ser um conhecimento é um processo, mais uma relação com o desconhecido que propriamente um novo conhecimento. Cada nova porta aberta pela ciência traz uma nova série de questionamentos, que exige uma reavaliação de tudo o que esta nova informação fragilizou.

Este fenômeno se dá com teorias em todos os segmentos de conhecimento, com os costumes, com as leis e exige da sociedade uma reavaliação das suas posturas; o que às vezes não se dá de maneira pacifica e nem acontece no mesmo espaço de tempo para todos. Alguns avanços do conhecimento chegaram a despertar de tal modo desconforto na humanidade que tiveram sua divulgação controlada.

Desde a antigüidade a ciência e os homens que a praticam tiveram que se defrontar contra as instituições que controlam o senso comum. De Sócrates a Galileu; de Copérnico a Francis Bacon a luta nunca foi pelo conhecimento, mas pelo poder de quem o detivesse ou pudesse controlar os benefícios que tal conhecimento pudesse gerar.

A historiografia tem em seu registro um sem número de personagens que pagaram os mais altos preços na sua busca do conhecimento. Ainda hoje é desta forma primária e ingênua que esta questão é apresentada.

Na antigüidade, a teocracia era a forma de poder mascarada em todas as formas de absolutismo; esta realidade é tão pacifica que não suscitou e não suscita, ainda hoje, quaisquer cuidados com seus registros. Por toda antigüidade veremos registros da influência diretiva de clérigos na obtenção do controle da ciência; e nos momentos em que este controle não pode ser obtido o recurso utilizado foi à decretação de expurgos contra determinadas práticas.

Esta lógica gerou mortes, perseguições e guerras sobre o pretexto de preservar as prerrogativas divinas. Existem exemplos em todas as religiões e pelo que ainda hoje presenciamos, ainda veremos muito mais.

Se observarmos a clonagem de Dolly como um evento da inquietação humana; com origem na necessidade de elucidar suas raízes, teremos que ponderar sobre o muito que os avanços da ciência têm permitido aos homens na sua busca. A sede de saber que tem colocado o homem em confronto com a teocracia é a mesma que tem salvado inúmeras vidas, tornado habitável um ermo qualquer do planeta, obtido determinada vacina e às vezes operado uns quase milagres.

Hoje a base de conhecimento do homem que compõe o senso comum é cada vez mais larga; será necessário mais que o temor do juízo final para submetê-lo; mas a teocracia sabe que a confusão a favorece e não é necessário saber quando existe o medo.

Existe também o mérito incontestável, aquele que soaria ridículo não reconhecer. Para esta situação há a criação do mito que transforma um homem de determinada habilidade ou conhecimento num ser sobre humano, que será legítimo cultuá-lo, ao menos enquanto não possa ser contestado.

Porém existem os dogmas, aqueles que estão acima até do elemento mais óbvio, da realidade mais absolutamente comprovada. Qualquer desvio que represente enfraquecimento do dogma deverá ser publicamente condenado e a sua manutenção defendida a todo custo.

Desde a mais remota noção da criação animal para fins domésticos, o homem vem percebendo que bons reprodutores geram, ou costumam gerar, boas crias. A observação de Darwin em sua teoria da evolução das espécies deu valor acadêmico ao que era de domínio do criador campesino.

Claro que isto é uma simplificação, mas em tese, vivemos com toscas tentativas de atingir melhores resultados na natureza, seja no cruzamento de animais ou na manipulação dos vegetais, entretanto, a utilização deste mesmo juízo quanto à humanidade atinge a moral de algumas instituições e se opõe a dogmas, que reage patrocinando toda sorte de debates, juízos e condenações, se utilizando qualquer meio para manter intacto o seu status na sociedade atual.

No século XIX, a filoxera dizimou a maior parte das videiras da Europa, somente o recurso da manipulação, através de enxerto salvou a atividade vinífera. A classificação dos tipos sangüíneos através do fator Rh deu-se num modelo de pesquisa que pode ser considerada um embrião da pesquisa genética humana.

Estes exemplos servem para evidenciar o quanto há de natural e de intervenção humana nos mais diversos campos do conhecimento.

O homem não faz ciência, ele descobre caminhos e elementos que tornam visível o insuspeitado. Antes de Newton, a invenção da roda já denunciava a evidência da gravidade e se apresentava como artefato, uma intervenção humana se beneficiando de uma força da natureza.

O que não torna menor a importância da observação e do relato acadêmico feito por Newton; mas é devido à falta de limites claros no ordenamento das pesquisas científicas que o homem de ciência ficou distanciado do homem comum e passou mais facilmente a condição de mito, manipulado como um fetiche a serviço de qualquer ideologia.

Nossa sociedade ainda está, em cada atividade em particular, alimentando à busca do Messias, do elemento redentor, mas o que os expoentes desta sociedade almejam é o controle da sociedade, através da sua fome, pela via da alimentação dos seus medos.

O século XX com a sua visão econômica da realidade trouxe a perspectiva da fome e a necessidade de maior geração de alimentos, novamente o homem intervém acelerando as culturas, protegendo-as das pragas, acelerando o ciclo de abate das criações, encurtando o período de engorda através da suplementação alimentar e da seleção de crias e matrizes.

Esta intervenção se mostrou irreversível e aplicável a inúmeras categorias biológicas, inclusive aos homens. A discussão a partir da evolução autônoma do conhecimento colocou os valores morais e teológicos à mercê de uma nova realidade, onde seus valores já não prevalecem e suas posições começam a ser questionadas.

A eugenia faz parte do patrimônio da humanidade, existem registros até em projetos de sociedade; Campanella, Platão, Thomas Moore e tantos outros acrescentaram em seus relatos sobre uma sociedade modelar a reprodução controlada das suas populações, com o objetivo de purgar o meio das imperfeições que naquele momento lhes pareciam prejudiciais.

O que temos é uma reprodução de processos a que outros seres de categoria semelhante foi submetidos e com resultados que nos levam a crer na possibilidade de êxito quando aplicado este conhecimento aos seres humanos.

Daquele momento até os dias atuais a forma de atuar dos que detém o poder não mudou muito. O controle da informação e do conhecimento continua a ser objeto precioso para as elites dirigentes, que quanto mais antiga mais clara fica a sua atuação em busca da obtenção do controle do conhecimento e da informação.

O embate que temos agora é o que tivemos sempre; não é a razão contra o dogma, isto é somente uma alegoria, é a dominação e a manutenção de privilégios que de perpétuos se consagraram em abusos; e ao não reconhecer estes limites, os antigos senhores da razão e guardiões dos dogmas, passaram a cultivar outra via, atemporal, para desqualificar o que pudesse ameaçar o status conquistado.

A eugenia deve ser contextualizada, discutida, e a sociedade, através da sua mais ampla representação deverá acomodar este ramo de conhecimento e estabelecer relações culturais, morais e científicas, para que desta forma a discussão aconteça no fórum adequado; assim a sociedade em sua totalidade poderá fazer uso das suas conquistas.  

 

Dudu Oliveira.

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O deus do fogo mora no fundo dos olhos.

junho 19, 2009

 

 

O que seria esta idade?

Todos que conheço,

Morrem cotidianamente

Ou vivem desolados;

Assistem no circo a um torpe espetáculo

Ora são feras, ora são mágicos,

Simulando ilusão entre um e outro número;

São artistas e público

Rindo de si, estupidamente…

 

Quantos livros li?

Inúmeros…

Bastava o primeiro para certificar-me

A bem nutrida ignorância…

 

Porém, continuo lendo sob disfarces,

E sigo culpando o mercado livreiro;

Na verdade, cada livro é apenas um espelho

Onde minha alma despedaça

E minha imagem estilhaça.

 

A odisséia do anti herói

Está escrita na minha experiência

Sofro mentiras culposas e dolosas

Impressas na minha sombra

 

Meu algoz esquizofrênico

Espreita na sala de espera do analista

Freud, Jung, Freud…

É um mantra.

 

Continuo lendo livros

Anseio novas irrelevâncias,

Ignorâncias humanas e científicas,

Esta razoabilidade me põe diante do monolito.

 

Foda-se Clarke!!!

 

O homo sapiens é um homem só,

E logo será o homem humus.

Uma paródia bizarra da mariposa

Inseto em volta da luz

Dançando para a deusa da morte.

 

Existe um deus fogo

Que me habita o fundo dos olhos

E apenas o tolo tem,

É deles o reino dos céus

Que não sei onde fica…

Quando fazem fogueira

Os tolos chegam para celebrar

Numa orgia piromaníaca

 

Não tome lítio pela manhã;

Sossegue, deixe Jung em paz,

Sábios só tomam sicuta

Mas desejam mesmo láudano e heroína…

 

Meu vizinho adora pássaros

Tem um monte de gaiolas

Sempre que posso brigo com ele

Faço tudo para importuná-lo,

Mas pela manhã ele me diz bom dia.

 

Deus, minha alma estremece,

Temo este tipo de educação…

 

Na minha sala a paisagem clichê

É uma mansarda com chaminé

Um rolo de fumaça se desprendendo

Desafiando a gravidade,

Nosso epitáfio escrito numa bucólica placa:

Lar, doce lar;

 

A luz convergindo para o plano

Um riacho rasga a linha de base da figura

O ponto de fuga torce toda a cena,

A opção cromática está além da imagem

O bucólico freme, o tédio vibra e o pintor fenece,

 

Mas aquela fumacinha inocente

Desconcerta toda a cena

E o diabo de um canto do inferno

Pisca o olho para mim.

 

Minha memória recorta tudo em flash back.

Já amei um amor desbotado

Em pálidas emoções

Gostávamos do quê?

Sofríamos pelo que?

Estou preguiçoso demais para os rituais de solidão.

 

Outro dia numa foto não reconheci

Um lugar, uma cena,

Que a foto quis registrar;

Onde? Quem? Por quê?

Nada resistiu ao inventário dos amores perecíveis, nada.

 

As urgências do meu peito

Estão determinadas por um eco cardiograma.

O amor não se encontra na mitral

Boccaccio despiu o amor

E ele, desnudo, pareceu triste.

 

Então o deus do fogo

Imolou um jovem casal

E morrer de um amor era o final feliz.

 

Meu vizinho cria pássaros

Em belas gaiolas.

 

A gerente do banco tem promessas nos olhos

Suas mãos me falam, mas faço de tonto.

 

O deus do fogo mora no fundo dos olhos

E lá fora a poesia habita

Até na palinfrasia…

 

Dudu Oliveira.

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Considerações sobre o lugar comum.

junho 18, 2009

 

A relação de ser e estar deve ser compreendida como lugar comum, onde o sentido absorve as representações construídas numa ordem de elementos disciplinadores. O canon, a regra, o dogma, a opinião, os estereótipos, a comunidade, a publicidade e, ainda, a idealização de rumos advindas dos costumes, casamento, heterossexualidade, educação.

O conjunto representa um referencial do senso comum, com sua organização semântica e compreensão facilitada. Soaria melhor como “lugar semântico comum”; a transformação da memória coletiva em índice das opções de discurso.

O lugar comum tem natureza dialógica e se funda no hábito, de tal forma que o “clichê” passa a condição de modelo de partilha da comunicação. A apreensão semântica estaria de tal forma consolidada que resta ao homem contemporâneo a opção de ascender aos estereótipos.

Convém considerar o estereótipo como um referencial de valores, uma idealização discursiva ou mesmo um elemento de composição na constituição das interações sociais.

Estas considerações exigem um modelo específico para avaliar a institucionalização de atos e relações, por força da cultura ou hábito; seja pela institucionalização de um ponto de vista, um referencial comum prevalecendo como uma “verdade”.

Tomemos o campo artístico, cada universo de saber tem a sua doxa específica, ou seja, um conjunto de pressupostos simultaneamente cognitivos e avaliativos, cuja aceitação é uma implícita submissão ao conjunto. Destarte, seja um juízo ortodoxo ou heterodoxo, tem em comum a adesão tácita a mesma doxa que ratifica a oposição e ordena seus limites.

Considerando a verbalização obrigatória que estabelece uma linguagem pré-fabricada e estereotipada, em que deixa de haver espontaneidade e autenticidade, restando apenas às elaborações conhecidas e formais. Atente-se para a ditadura da palavra onde o inexpressível e o mistério dos silêncios não encontram a sua realização. Um dogma segregado do seu substrato teológico é, segundo Blaga, uma antinomia transfigurada pelo próprio mistério que exprime.

A uniformização de conceitos e ações traduz a repetição como formulação lógica, transformando a reiteração numa comunicação de modus; fica uma questão: quanto ao clichê, o que ocorre primeiro? A repetição que o constitui e confere consistência ou a estabilidade que propicia o reemprego?

 A dessemantização do mundo leva considerar o sujeito como mais ou menos ativo nas relações que mantém com o mundo. O hábito, a robotização arrastou consigo a perda do significado de muitos comportamentos e preceitos; o indivíduo estará assim muito mais inclinado para viver de clichês.

A técnica da informação vai produzir a desmodalização e a desmobilização.  A doxa tem um papel de legitimação da canonicidade discursiva: a canonicidade duma série textual supõe a existência duma instituição discursiva.

A comunicação estética desenvolve-se na esfera da doxa. A língua franca da semiótica constitui uma forma de doxa. Os mestres da manipulação influenciam chefes de Estado, manipulam a informação, fazem e desfazem a opinião.

A comunicação entrou na era da facticidade. As sondagens dizem-nos apenas que as pessoas interrogadas se referem a uma paisagem interpretativa (não a um estado de coisas) acreditando que outros partilham essa mesma interpretação; uma opinião coletiva não é uma proposição, mas um conjunto de proposições de referência, um conjunto de atratores.

O lugar comum como dixis instituinte participa dessas formas enunciativas que têm atrás de si um ‘impessoal da enunciação’. Nenhuma identidade coletiva se mantém sem ideologia e sem a sua metafísica de bolso.

O médium precede a mensagem: primeiro inventou-se o canal e depois o canal impôs a invenção de conteúdos adequados (o CD-ROM interativo). Se as ciências naturais se movem no tempo darwiniano da evolução, as ciências da cultura movem-se num tempo lamarckiano, feito de tradições e de rupturas.

 

  Dudu Oliveira.