Archive for the ‘Ensaio’ Category

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A verdade e sua mal versação.

novembro 13, 2009

 

Desde que fora descrito o mito da caverna, especula-se sobre o temor do homem. Decerto não serão as sombras que o projetam, fiel escudeiro do instinto de auto preservação; o que mais se aproxima deste temor atávico é a capacidade humana de fabular e criar.

Assim uma justificada convenção, que não será nunca confrontada, ou quando muito superada pela necessidade de uma nova ordem, disfarçará o nosso medo e a nossa ignorância.

A compreensão da natureza, seus fenômenos sempre representou uma proximidade com as teorias e ensaios sobre a origem das coisas. Ainda que não haja consenso, seja no aspecto científico, ou teológico, a realidade flutua num mar de convenções. Sempre rasas e voltadas para os homens mais simples; interessadas, de fato, num novo artifício à nossa real condição de perplexidade diante dos fenômenos.

Desta forma, para tudo que não conhece a humanidade criou uma convenção, um mito, que envolvesse numa certa fantasia ou alguma fantástica alegoria, até que os homens de ciência desenvolvessem qualquer tese que ratificasse aquele mito, aquela crença; onde uma poeira fina de vago conhecimento, um arremedo de ciência a serviço da submissão do mais fraco pelo mais forte.

A nossa natureza se constituí do que admitimos pacificamente e ao que rejeitamos categoricamente. Em meio a esses extremos está à perseverança e uma vocação particular para, em determinado momento, confrontar com valores que não resistiram ao desgaste com seus conflitos.

Apesar de em determinados temas sermos ainda escravos de um temor e nos situarmos sob frágeis teorias que mais parecem fabulações, continuamos subordinados aos nossos medos, temendo sombras e inseguros dos nossos mecanismos de investigação.

Para quê serve?

Para quem serve?

Necessitamos de explicações que acomodem nosso senso crítico, que justifiquem nossos posicionamentos e nos absolva dos diversos conflitos efêmeros, que pontuam a dinâmica dos juízos.

Criamos conceitos que se perpetuaram para além de sua própria transitoriedade. Existe, ainda, o vício de não deixar quaisquer ponderações sem respostas, a despeito do real valor deste processo, e da qualidade das respostas obtidas.

Diante desta implacável relação com o próprio senso e a limitação em obter a satisfação plena de suas incertezas, resta o expediente da criação dos juízos provisórios; ou seja, o que é sem explicação, plausível ou razoável, não deverá ser contestado, ao menos sem argumentos consistentes; deveria ser assim.

Então encontramos e necessitamos da perversão da verdade. Esta tentativa anacrônica de recriar um espaço/tempo superado, de trazer para algum ponto de um evento, um espectador ao qual não fora possível a condição plena de ator, ao menos a condição de testemunha do fato em questão.

Geralmente o expediente de se evocar a verdade está na fragilidade e necessidade de justificar ou mesmo esclarecer o fatual, quando este se mostra, invariavelmente, inverossímil ou não assimila pacificamente as conexões em torno de um determinado evento.

A verdade, como convenção, não admite nenhum tipo de confrontação, ela pode ser amoral, imoral, sensata, insensata; a ela comporta todo tipo de definição, desde que se disponha a dar substancia a uma abordagem racional/artificial de determinado evento. Embora não haja qualquer componente racional na verdade, esta se comporta como obedecesse a uma seqüência em que a racionalidade fosse um dos seus principais caracteres.

O que parece ser a seara da verdade seja o incomum, o incoerente; o que confronta de forma radical a ordem instituída e carece de certa, ponderação, até que possa ser superada pela relação cotidiana da repetição dos eventos, ao ponto de transformar o extraordinário em ordinário.

A verdade necessita de certa contundência para adquirir a sua legitimidade, de modo a aplacar a sede de coerência, mesmo que traga mais contradição que o fatual pareça comportar.

Se interpretarmos esta contundência como uma relativa ruptura do ordinário; a verdade terá servido como uma tentativa de justificar uma resposta ao extraordinário, e assim, uma assimilação ao que a relação entre os homens não deveria acatar, a não ser sob determinadas ponderações.

Quais ponderações seriam estas?

Toda uma série de justificativas racionais anteriores ao ato, que o tornaria racionalmente justificável e assim, aceitável. Que seria senão a motivação de um crime; ou então ponderação sobre a culpa?

A auto censura não seria um componente do indivíduo, mas um agente coercitivo da verdade com origem no seio da sociedade; que o binômio aceitação-rejeição e a relação interpessoal validaram.

Talvez a idéia da verdade derive de uma ordenação do fatual, mas o arbítrio e os limites que as relações conseguiram negociar tornaram a verdade uma instituição maior que o evento fatual pode determinar.

A verdade trouxe uma consideração moral que não se encontra no ato, mas na vontade do senso comum em determinar o quanto de contradição e conflito o homem social, e não o indivíduo seja capaz de comportar.

Uma vez que a aceitação e a assimilação conferem uma sensação de segurança e referencia, não é difícil imaginar a quantidade de pessoas que aceitam sem questionamento algum o conforto de proposições em troca de menos conflitos e menos confrontos.

Desta forma, seria a corrupção numa situação hostil onde o indivíduo tem somente sua própria dimensão para enfrentar seus conflitos. A comunhão de valores e a convergência de comportamento criarão uma idéia de confraria e esta abstração que é a coletividade irão se impor para oprimir e transformar o indivíduo em refém de uma imagem do homem convencional, que a sociedade projeta para além do homem real.

Entre todas as convenções é a verdade que mais escraviza, mais submete o indivíduo a exposição e ao confronto com a razão dos próprios atos.

Cada indivíduo se encontra preso a sua percepção e a sua própria consciência, mas o juízo que se aplicará a este indivíduo vem de um mundo exterior, que ora lhe é estranho e ora é familiar; que ora o acolhe e ora o repele.

Que noção racional ou irracional justificaria o ato do suicida?

De onde virão às pressões para as explicações dos atos que nos compelimos a justificar?

O homem em sua trajetória, mais se deixa conduzir que de fato conduz os eventos; apesar desta perversa fantasia, um aspecto etnocêntrico criou a necessidade de um aparato vulgar e incrível, uma cosmogonia que vai se tornando cada vez mais fantástica e inverossímil à medida que cada novo item se faz necessário para ratificar essa realidade de frágeis convenções.

A verdade, como qualquer convenção, precisa de uma oposição para se tornar real, ganhar vida, e a essa oposição que, poderíamos muito bem chamar de irreal ou fantasia; chamamos de mentira, e só por esta terminologia já ganhou má fama e caráter depreciativo, que realmente é o que melhor revela a oposição ao conceito de verdade.

A mentira até em determinados aspectos, consegue obter alguma condescendência pela prevalência da mentira como elemento de legítima defesa. Diferentemente da verdade, a mentira confere um caráter particular e tópico ao seu uso e ao mentiroso contumaz um espectro de descrédito.

A sociedade aceita uma mentira que pretenda evitar um sofrimento maior, uma mentira culposa, mas é inflexível quando se trata da verdade mais trágica.

Ao passo que a verdade se apresenta como um imperativo, a mentira é definida como opcional/facultativa e de exercício individual.

Seria um exercício bastante peculiar imaginar uma mentira sustentada por um grande grupo de indivíduos; mais ainda, imaginar as cadeias de razões e justificativas para sustentar o inverídico.

O fatual seria derivado da verdade, e a mentira seria uma intervenção as motivações que convergiram para fraudar determinado desfecho.

Diante do conceito de virtude que a verdade tomou para si e de defeito ou vício como definição para mentira; chegou-se a simplificação de que o homem virtuoso diz a verdade e que o homem que mente não possui virtudes.

O que estas posições pretendem se exploradas de modo agudo, e com o objetivo de esclarecer, é propor uma valorização menor a esses conceitos relativos e acessórios, que sem estar contextualizados não devam ser considerados.

Verdade e mentira estão dentro das variáveis relativas que o conceito moral, que tem um determinado valor na sociedade, potencializou no seu esforço de moldar a realidade para os seus propósitos, que não são os de um povo, de uma classe ou mesmo de um determinado segmento.

Este império nasceu da equivocada prática de ter posição para todas as questões e da medida real dos conflitos, que às vezes necessitam de certo distanciamento e noutras de um determinado envolvimento.

Como desconhecemos qualquer fórmula para uma atuação que resgate o indivíduo desta disforme massa moralista moldada para o senso comum. Então assistimos a esforços isolados, onde alguns indivíduos operam para despir a verdade de seu elemento ficcional coercitivo, já que em nome da verdade criou-se uma ficção com muitos estereótipos, todos muito bem definidos e com um perfil determinado pelos limites aceitáveis por valores nítidos e inatingíveis; de tal forma que já é comum acompanhar os dramas reais como folhetins que tem rigorosos limites para seus protagonistas.

O que seria a verdade?

Uma convenção, que deveria servir para conduzir os homens para um caminho virtuoso; mas é impossível divorciar o homem de sua natureza, e a sua virtude está em resistir, sobreviver e superar a todas as situações.
Dudu Oliveira.

 

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As credenciais do poeta.

novembro 13, 2009

“Deixe-me ver seus sonetos.”
Manuel Bandeira

Assim Manuel Bandeira respondia as abordagens dos aspirantes a poeta em sua época. A epígrafe descreve um percurso de contato com a forma e o rigor que orientou gerações de poetas e fundou inúmeras escolas literárias.

Tal abordagem permite conjeturar a pertinência de construir formas de expressão artísticas dentro de modelos que cobrem determinada época, porém não avança, devido aos efeitos cíclicos gerados por tal expressão.

Toda forma clássica em suas ocorrências colhe as conseqüências da assimilação e, paradoxalmente, afirma e repele o modelo em suas sucessivas reiterações.

Considerando a manifestação artística na forma soneto, veremos que a limitação imposta pela estrutura lingüística tem variáveis em diversas raízes idiomáticas e, desta forma, provocam consideráveis reflexos nesta forma de expressão.

Os artistas clássicos em suas escolas e movimentos percorreram trajetórias que tornou possível a consolidação desta modalidade de expressão poética. Suas soluções, o domínio de determinados recursos expressivos nos leva a creditar o registro de influencia por simpatia de determinado autor.

A reiterada aliteração em /v/ remete a Cruz e Souza, a rima rica tisne/cisne cita Júlio Salusse, as oitavas heróicas de Lusíadas afirmam Camões. Todos os aspirantes a poeta devem beber e impregnar-se das fontes comuns da alta literatura; Autopsicografia de Pessoa, Violoncelo de Pessanha, Vandalismo de Augusto dos Anjos e tantos outros que reportam aos recursos imprescindíveis para a lírica. O código comum para a poesia não é a palavra, mas a poesia afirmada na trajetória dos demais poetas.

A relação limitada com a criação artística, isto é, na relação com as palavras, os clássicos apontam inúmeras possibilidades que devem ser experimentadas, como alternativa para o apuro da expressão.

Escandir um soneto clássico, buscar e estudar ocorrências raras, tomar contato com os aspectos estruturais da composição poética.
Manuel Bandeira ao solicitar os sonetos, pedia as “credenciais” do diletante, visava atestar o real apreço pelo labor poético ou identificar uma vocação para versos que jamais alcançará a poesia.

A sabedoria do poeta se revelaria adiante quando em sua Poética este juízo se complementaria em seu último verso:

“Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”

Esta outra citação reclama a contribuição de cada poeta. Todos falam basicamente uma mesma língua, porém coube aos poetas radicalizarem nas suas criações, e constituir uma expressividade ilimitada através do emprego de aspectos de ocorrência esporádica fora deste contexto. Poetas almejam uma reordenação do pensamento e da expressão, projetando para além do texto a comunicabilidade.

Os novos poetas devem realizar uma nova gramática, realçar os aspectos conotativos apartando a materialidade que limita a expressão e o pensamento. As referencias para o texto poético deve ser estabelecida fora dos parâmetros prosaicos, adequado para seus objetos, agentes e época.

As esporádicas contribuições com o modernismo registram uma atitude inquieta diante dos movimentos contemporâneos, a arte não é uma circunstancia estática; o flerte de Bandeira aponta para uma releitura de sua arte, do seu tempo e uma reflexão sobre seu próprio ofício.

 

Dudu Oliveira.

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O erótico, o pornográfico e o vulgar.

novembro 12, 2009

A sexualidade é fundamental no modelo natural de preservação e evolução da espécie; e como tal, nos aproxima nos seus aspectos mais gerais com os demais seres na luta pela evolução e auto preservação. Entretanto, cabe caracterizar a sexualidade como ato e conceito; de aspecto amplo e geral.

Particularmente, a sexualidade é abordada dentro de tópicos específicos que visam um enfoque sobre as minúcias que compõe o tema. Portanto é necessário caracterizar dentre os objetos da nossa atenção as definições acadêmicas para que sejam feitos os devidos ajustes as distorções conceituais na sua relação objetiva.
Vejamos tais definições:

Erótico – sexual, carnal, sensual, lúbrico, voluptuoso, lascivo;

Erotismo – é o conjunto de expressões culturais, artísticas humanas referentes ao sexo;

Sexo – definição de gênero e o ato sexual propriamente dito, composto de suas etapas (preliminares e ato sexual) e finalidades (obtenção de prazer, reforço de elo emocional e reprodução);

Pornografia – é a representação, por quaisquer meios, de cenas sexuais ou objetos obscenos destinados a ser mostrado para um público e também expor práticas sexuais diversas, com o fim de instigar a libido do observador;

Obsceno – que fere o pudor;

Vulgo – plebe, ralé, gentalha, populacho;

Vulgar – relativo ou pertencente ao vulgo, aquilo que é do conhecimento de todos, que é vulgar;

Colocada as definições é possível ponderar sobre o tema e dentro deste curso confrontar interpretações equivocadas sobre as relações destas definições dentro do exercício artístico literário.

A primeira deformação óbvia diante da conceituação apresentada é a constatação que pornográfico também é erótico, logo parece distorcida a idéia de segregar pornográfico de erótico.

Será, então, que o erótico é pornográfico?

Para abordar esta questão é necessário observar que o erótico que discutimos decorre da expressão cultural, que é dinâmica, permeável e vai se moldando dentro do contexto social. O que neste momento representa uma característica platônica, subjetiva, e se opõe à explicitação ostensiva ora dominante na pornografia. A fronteira entre o erótico e pornográfico é sutil, não comporta leniência ou se apresenta de forma gratuita a qualquer olhar.

A complexidade da matéria está no conflito do estamento moral onde constituímos nossa consciência e desenvolvemos nossa sexualidade. A assimilação de conceitos que se modificam com o avanço das relações, potencializou as angustias de gerações que viveram épocas de maior repressão na expressão da sua sexualidade, de modo bastante evidente nas culturais ocidentais e nas religiões cristãs.

Esta realidade gerou uma consciência sexual culpada e reprimida, muito preocupada em se livrar das compulsões carnais, das conceituações heterodoxas e das práticas incomuns, logo definidas como tara.

Torna-se oportuno observar que a pornografia tem também abordagens menos explícitas, o que não a transforma, de forma alguma, em erótico. Esta dualidade fica evidente quando o material apresentado, ainda que não mostre ou demonstre o sexo, orienta-se para a obtenção de estimulação sexual, sem qualquer outra finalidade.

A cena literária é um dos ambientes onde a relação erótico-pornográfico mais conflitam, seja por oposição, seja por equívocos. Concentrando a atenção exclusivamente neste aspecto é necessário fazer uma pequena analise historiográfica da literatura erótica-pornografica para situar as observações aos aspectos da evolução e aceitação desta expressão artística.

O ponto de partida dentro da literatura ocidental para esta apreciação é Satiricon de Petrônius Arbiter que representa o período de dominação cultural do império romano. Sobre seu autor, recomendam-se as anotações de Tácito nos Anais, discorrendo sobre a personalidade do Árbitro da elegância na corte de Nero.

O que Petrônius nos apresenta é uma crônica dos costumes daquela sociedade, em particular, da corte de Nero em sua forma de expressar a sua sexualidade. Considero crível a base desta obra, uma vez que ela tenha sido criada por um membro de posição considerável dentro da sociedade romana e pelo fato de tal obra ter resistido aos expurgos que são comuns na dinâmica das sociedades.

O outro marco de nossa amostragem é Decamerão de Giovanni
Boccaccio. Decamerão é uma obra do período medieval que confrontou de modo inequívoco a moralidade religiosa, questionou abertamente a representação espiritual do amor e inaugurou o realismo na literatura. O resultado deste confronto foi à censura, a repressão e a perseguição mais a obra que propriamente ao autor, uma vez que Boccaccio era uma personalidade proeminente em Florença.

Para sintetizar esta relação vou apenas citar autor e obra, que merecem uma atenção mais demorada a respeito da obra, do autor e do contexto onde ela foi produzida.

Século XVIII

Fanny Hill – John Cleland;
Justine – Marques de Sade;
Memórias – Casanova;
Minha Vida Secreta – Spencer Ashbee.

Era Vitoriana

A Vênus das Peles – Leopold von Saacher-Masoch

Século XX

A História do Olho – Bataille;
Trópico de Câncer – Henry Miller;
A História de O. – Pauline Réage;
Delta de Vênus – Anais Nïnn.

Diante desta amostra é possível tecer considerações sobre a trajetória da literatura erótica e da pornografia.

Inicialmente observemos seu conflito permanente com a censura, que deriva da tutela, que a moral da parte dominante da sociedade tenta impor para, em seu proveito, moldar a cultura através da tentativa de controle da manifestação artística, qualquer que seja ela.

A derrocada do amor espiritual deu-se com Boccaccio na publicação do Decamerão; a trajetória da sexualidade seguiu a manifestação dos gêneros, a expressão das vontades e a libertação das tutelas morais oriundas do anacronismo medieval e sua visão confessional da sexualidade.

Logo não cabe a dicotomia virtude/vício sobre o erótico e o pornográfico, sob o risco de cair na falácia das questões de gosto.
O exercício literário cobra um posicionamento maior que a consideração moral, que para tanto não exige mais que a assimilação dos valores locais num ritual de aceitação.

O deslocamento que pontua o exercício empático na troca entre artista e arte exige um apuro no trato com a matéria, um elaborado manejo da informação, seja ela objetiva ou não, que permita ao autor e ao leitor conviver e descobrir dentro da obra criada. A opção moral do artista não é o elemento principal neste modelo, apesar de ser parte integrante.

Restou da nossa proposta inicial, agrupar os valores morais que sustenta os preconceitos derivados dos axiomas e dogmas da idade média.

É possível encontrar na cultura oriental desde manuais até textos de valor científico registrando a importância e a naturalidade com que estas representações culturais manifestaram a sua sexualidade. Kama Sutra, Jayamangala, Pao Pu-Zhi, O Jardim Perfumado, Beleza e Tristeza e Confissões de Uma Máscara estão num conjunto de obras de valor cultural e artístico inquestionável e passam ao largo das questões de gosto.

O que de fato resiste em algumas abordagens é a vocação para desvalorizar o que não foi compreendido, o que não foi assimilado e o objeto com o qual não houve identidade. A confusão de pornografia com obsceno é clássica, tem fundamento moral na suposta agressão ao pudor, que é um valor moral e se funda na coerção social das camadas de maior poder representativo.

A idéia que pornografia é vulgar reafirma este preconceito, pois como sabemos, o vulgar é o que é do conhecimento de todos e não a corrupção de um conceito como a moral tenta ajuizar.

Para tratar deste tema se faz necessário observar intimamente as nossas posições diante das possibilidades que o mundo conhece; diferente não significa ruim, incompreensível não é o mesmo que feio e normal significa, textualmente, dentro das normas, dentro das regras; que é o que vale para os ditadores de comportamento.

Um artista lê e a sua representação da arte deriva desta leitura, desta abordagem sensorial, intelectual e dialética. A exposição a esta matéria é a síntese com o seu mundo, o diálogo com o seu tempo. As tentativas de aplicar elementos semânticos com finalidades didáticas deram origem às escolas, que servem ao estudo acadêmico, e seccionou a arte em simplificações estanques.

O que antes acontecia nas praças, no cotidiano, ficou confinado em estudos, cátedras e museus. A sexualidade em seu estado natural seria parte da experiência de construção da identidade do indivíduo, desenvolvendo sua vertente emocional, a sua busca da felicidade projetando uma realização do prazer e do reconhecimento.

Apartado disto temos uma sexualidade ideologizada, confessional e culpada que traz em si concepções puras e falácias morais, que nem podem ser consideradas paradoxos.

Dudu Oliveira.

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Da idéia ao objeto: o poeta e o filósofo.

novembro 12, 2009

A República, de Platão, em uma de suas imagens mais conhecidas a respeito dos três leitos, onde o filósofo enuncia o idealizador como criador, o realizador como artesão e o artista, por fim como um interprete a via da representação da idéia, mediante a simulação.

O filósofo em sua investigação, especulando a origem, o motor das realizações e as forças que concebem os atos. O artesão que transpõe a substancia em arranjos utilitários, realizando a transição do desejo na materialidade dos artefatos, acrescendo valor as necessidades, que melhor se compreendem incluídas em seus acessórios. Temos ainda o artista que mistura as duas essências e cria um valor próprio para o elemento descrito.

O artista ao simular a objetividade na idéia está interferindo na visão limite que o objeto realiza pelo seu caráter utilitário e começa a somar valores que estão além do literal, esta realização semântica ocorre a todo tempo e de forma tão continuada que não é notada com a devida atenção.

Tornemos a Platão com a sua representação ideal da cama, imaginemos o criador e a sua motivação ao criar um objeto que permitisse um confortável repouso e um total abandono da fadiga e assim transportasse o homem para o abandono temporário das circunstancias que o deprimem.

Esta idealização original será perseguida pela realização da técnica, pela escolha dos materiais, pelo conhecimento dispensado para a realização da tarefa: o labor do artesão.

A realização está de tal maneira limitada aos meios disponíveis que os modelos desenvolvidos não cessam de evoluir, como forma de admitir a imperfeição da realização diante de um modelo inatingível da idéia apresentada.

O artista tem como matéria de sua criação a liberdade de pensar e representar, então quando o pintor realiza a cama ideal ele representa a cama ideal pela figura da cama artefato; o valor que este ícone tem é poderoso, pois realiza leituras intertextuais em todas as representações individuais de cama, tal poder se funda no reconhecimento, pois se o artefato pode ser claramente identificado, o mesmo ocorre com as relações que a arte realiza.

A posição dos mortos reforça a tese do repouso dos mortos e afirma a existência como um fardo, não há em tal afirmação nada além das relações de costume que são comuns em inúmeras culturas. As representações partem da circunstancia de reconhecimento para o estranhamento e por oposição ou confronto acabam obtendo a ratificação.

A representação artística almeja o reconhecimento, mediante a figuração, a comunicação da idéia em uma escala representativa, como toda mensagem necessita da relação direta com seu decodificador, é possível que partes da mensagem não sejam integralmente absorvidas, mas a matéria da construção da mensagem, o código, através dos seus fragmentos reconhecidos construirá um conjunto de elementos para interpretação.

A cama desde a idealização, passando pela sua realização concreta como utensílio até a representação artística contém inúmeros valores: para o idealizador ela é a cama absoluta, definitiva; para o realizador ela é a cama possível, o máximo que sua habilidade alcança com os recursos que dispõe e para o artista sua representação pretende realizar a cama que ele crê próxima de todas as camas e ainda avança sobre as idéias correlatas de repouso e atenção a fadiga.

O que esta alegoria de fato representa é a compreensão da idéia em seus planos de realização. Quando o filósofo investiga a gênese e as relações de um fenômeno, o homem envolvido na materialidade preso a circunstancias de tempo e espaço reage e se relaciona com as suas possibilidades elegendo meios e conceitos para se realizar nas suas tarefas e necessidades cotidianas; concomitantemente teremos a representação particular de cada universo pessoal entre as zonas de afeição e rejeição que foi construindo uma seqüência de atos e memórias que projeta uma consciência de continuidade que busca justificar mediante formulações o desvendamento das situações na idéia do futuro próximo.

O artista ao romper com a linearidade do código devolve ao filósofo uma representação de dimensões mais profundas com as relações delineadas, realizando a transcrição da idéia objeto em uma representação particular que não se submete a qualquer dos conceitos e acrescenta elementos para as duas expressões.

Alguns poderiam dizer como Duchamp que a intervenção é suficiente para atingir a descrição de arte; hoje revendo os conceitos de pós-modernidade, percebemos o quanto tal interpretação está equivocada.

A ascensão do utensílio a condição de arte se dá por vias de um referencial elaborado, que examina a realização e seus dados de pertinência, há uma necessária originalidade, uma realização calcada numa identidade referenciada que propõe anotar mais que as razões de uso.

Quando uma instalação arqueológica é alçada a condição de arte, estamos considerando, de fato, meios e modos como o registro de expressão daquele labor naquele espaço tempo, desde o material até as capacidades para a realização do projeto, tudo faz parte da consideração particular da originalidade que dará a tal representação o caráter de arte ao que fora anteriormente labor e temos a diferença entre antiguidade e velharia.

As pedras das calçadas são as pedras de uma escultura, mais eloqüentes realizando uma utilidade além do conceito de uso, expressando e representando uma interação dialogética onde a idéia se sobrepõe ao material original da representação e a pedra calçada excede e radicaliza na pedra estátua.

A letra que registra a lei é a mesma que modela o poema; enquanto a lei busca um modelo de conduta no limite do individuo, o poema decreta que o individuo está livre de quaisquer representações; liberta-se da idéia que tem de si e excede na representação do mundo.
O filósofo atingido pela apreciação das relações entre os fenômenos tenta apreender nas escolhas os caminhos da ética, porém está preso a própria concepção de mundo ideal, restando a este elemento as interpretações e leituras do modus faciendi como registro do percurso da humanidade.

 

Dudu Oliveira.

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A moral e a eugenia.

junho 19, 2009

A clonagem da ovelha Dolly, ao mesmo tempo em que representou um significativo avanço técnico-biológico, trouxe à tona questões de fundo moral e filosófico acerca da manipulação genética. Finalmente o mundo contemporâneo dispunha, comprovadamente, de resultado concreto de uma experiência de replicação de um ser vivo.

O que mais provocou excitação aos diversos segmentos sociais era o fato, que a partir daquele momento, a humanidade dispunha de conhecimento técnico para, segundo conservadores, afinal “brincar de Deus’.

O mundo de hoje é o resultado de muitos confrontos e muitas renúncias; então vejamos todos os paradigmas religiosos, de alguma forma, repudia a interferência humana no processo da reprodução humana e proíbe abertamente qualquer método que não seja o natural para a criação da vida.

Quando do anúncio da réplica de Dolly, as maiores representações religiosas vieram a se manifestar, de forma a registrar os seus protestos quanto à usurpação dos atributos inalienáveis do divino. Tornou-se imperativo defender o mistério da vida como um atributo divino, num período de realizações temporais e evoluções palpáveis oriundas da tecnologia e do conhecimento humano.

Os clérigos de todas as religiões professam a criação da vida, em especial a vida humana, como um elo entre dois mundos, temporal e celestial; ao considerar a possibilidade da obtenção da vida pelo gênio e ciência humana, teríamos a ruptura do pacto celestial, se em algum tempo houver existido.

A ciência, da forma como é praticada, antes de ser um conhecimento é um processo, mais uma relação com o desconhecido que propriamente um novo conhecimento. Cada nova porta aberta pela ciência traz uma nova série de questionamentos, que exige uma reavaliação de tudo o que esta nova informação fragilizou.

Este fenômeno se dá com teorias em todos os segmentos de conhecimento, com os costumes, com as leis e exige da sociedade uma reavaliação das suas posturas; o que às vezes não se dá de maneira pacifica e nem acontece no mesmo espaço de tempo para todos. Alguns avanços do conhecimento chegaram a despertar de tal modo desconforto na humanidade que tiveram sua divulgação controlada.

Desde a antigüidade a ciência e os homens que a praticam tiveram que se defrontar contra as instituições que controlam o senso comum. De Sócrates a Galileu; de Copérnico a Francis Bacon a luta nunca foi pelo conhecimento, mas pelo poder de quem o detivesse ou pudesse controlar os benefícios que tal conhecimento pudesse gerar.

A historiografia tem em seu registro um sem número de personagens que pagaram os mais altos preços na sua busca do conhecimento. Ainda hoje é desta forma primária e ingênua que esta questão é apresentada.

Na antigüidade, a teocracia era a forma de poder mascarada em todas as formas de absolutismo; esta realidade é tão pacifica que não suscitou e não suscita, ainda hoje, quaisquer cuidados com seus registros. Por toda antigüidade veremos registros da influência diretiva de clérigos na obtenção do controle da ciência; e nos momentos em que este controle não pode ser obtido o recurso utilizado foi à decretação de expurgos contra determinadas práticas.

Esta lógica gerou mortes, perseguições e guerras sobre o pretexto de preservar as prerrogativas divinas. Existem exemplos em todas as religiões e pelo que ainda hoje presenciamos, ainda veremos muito mais.

Se observarmos a clonagem de Dolly como um evento da inquietação humana; com origem na necessidade de elucidar suas raízes, teremos que ponderar sobre o muito que os avanços da ciência têm permitido aos homens na sua busca. A sede de saber que tem colocado o homem em confronto com a teocracia é a mesma que tem salvado inúmeras vidas, tornado habitável um ermo qualquer do planeta, obtido determinada vacina e às vezes operado uns quase milagres.

Hoje a base de conhecimento do homem que compõe o senso comum é cada vez mais larga; será necessário mais que o temor do juízo final para submetê-lo; mas a teocracia sabe que a confusão a favorece e não é necessário saber quando existe o medo.

Existe também o mérito incontestável, aquele que soaria ridículo não reconhecer. Para esta situação há a criação do mito que transforma um homem de determinada habilidade ou conhecimento num ser sobre humano, que será legítimo cultuá-lo, ao menos enquanto não possa ser contestado.

Porém existem os dogmas, aqueles que estão acima até do elemento mais óbvio, da realidade mais absolutamente comprovada. Qualquer desvio que represente enfraquecimento do dogma deverá ser publicamente condenado e a sua manutenção defendida a todo custo.

Desde a mais remota noção da criação animal para fins domésticos, o homem vem percebendo que bons reprodutores geram, ou costumam gerar, boas crias. A observação de Darwin em sua teoria da evolução das espécies deu valor acadêmico ao que era de domínio do criador campesino.

Claro que isto é uma simplificação, mas em tese, vivemos com toscas tentativas de atingir melhores resultados na natureza, seja no cruzamento de animais ou na manipulação dos vegetais, entretanto, a utilização deste mesmo juízo quanto à humanidade atinge a moral de algumas instituições e se opõe a dogmas, que reage patrocinando toda sorte de debates, juízos e condenações, se utilizando qualquer meio para manter intacto o seu status na sociedade atual.

No século XIX, a filoxera dizimou a maior parte das videiras da Europa, somente o recurso da manipulação, através de enxerto salvou a atividade vinífera. A classificação dos tipos sangüíneos através do fator Rh deu-se num modelo de pesquisa que pode ser considerada um embrião da pesquisa genética humana.

Estes exemplos servem para evidenciar o quanto há de natural e de intervenção humana nos mais diversos campos do conhecimento.

O homem não faz ciência, ele descobre caminhos e elementos que tornam visível o insuspeitado. Antes de Newton, a invenção da roda já denunciava a evidência da gravidade e se apresentava como artefato, uma intervenção humana se beneficiando de uma força da natureza.

O que não torna menor a importância da observação e do relato acadêmico feito por Newton; mas é devido à falta de limites claros no ordenamento das pesquisas científicas que o homem de ciência ficou distanciado do homem comum e passou mais facilmente a condição de mito, manipulado como um fetiche a serviço de qualquer ideologia.

Nossa sociedade ainda está, em cada atividade em particular, alimentando à busca do Messias, do elemento redentor, mas o que os expoentes desta sociedade almejam é o controle da sociedade, através da sua fome, pela via da alimentação dos seus medos.

O século XX com a sua visão econômica da realidade trouxe a perspectiva da fome e a necessidade de maior geração de alimentos, novamente o homem intervém acelerando as culturas, protegendo-as das pragas, acelerando o ciclo de abate das criações, encurtando o período de engorda através da suplementação alimentar e da seleção de crias e matrizes.

Esta intervenção se mostrou irreversível e aplicável a inúmeras categorias biológicas, inclusive aos homens. A discussão a partir da evolução autônoma do conhecimento colocou os valores morais e teológicos à mercê de uma nova realidade, onde seus valores já não prevalecem e suas posições começam a ser questionadas.

A eugenia faz parte do patrimônio da humanidade, existem registros até em projetos de sociedade; Campanella, Platão, Thomas Moore e tantos outros acrescentaram em seus relatos sobre uma sociedade modelar a reprodução controlada das suas populações, com o objetivo de purgar o meio das imperfeições que naquele momento lhes pareciam prejudiciais.

O que temos é uma reprodução de processos a que outros seres de categoria semelhante foi submetidos e com resultados que nos levam a crer na possibilidade de êxito quando aplicado este conhecimento aos seres humanos.

Daquele momento até os dias atuais a forma de atuar dos que detém o poder não mudou muito. O controle da informação e do conhecimento continua a ser objeto precioso para as elites dirigentes, que quanto mais antiga mais clara fica a sua atuação em busca da obtenção do controle do conhecimento e da informação.

O embate que temos agora é o que tivemos sempre; não é a razão contra o dogma, isto é somente uma alegoria, é a dominação e a manutenção de privilégios que de perpétuos se consagraram em abusos; e ao não reconhecer estes limites, os antigos senhores da razão e guardiões dos dogmas, passaram a cultivar outra via, atemporal, para desqualificar o que pudesse ameaçar o status conquistado.

A eugenia deve ser contextualizada, discutida, e a sociedade, através da sua mais ampla representação deverá acomodar este ramo de conhecimento e estabelecer relações culturais, morais e científicas, para que desta forma a discussão aconteça no fórum adequado; assim a sociedade em sua totalidade poderá fazer uso das suas conquistas.  

 

Dudu Oliveira.

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Considerações sobre o lugar comum.

junho 18, 2009

 

A relação de ser e estar deve ser compreendida como lugar comum, onde o sentido absorve as representações construídas numa ordem de elementos disciplinadores. O canon, a regra, o dogma, a opinião, os estereótipos, a comunidade, a publicidade e, ainda, a idealização de rumos advindas dos costumes, casamento, heterossexualidade, educação.

O conjunto representa um referencial do senso comum, com sua organização semântica e compreensão facilitada. Soaria melhor como “lugar semântico comum”; a transformação da memória coletiva em índice das opções de discurso.

O lugar comum tem natureza dialógica e se funda no hábito, de tal forma que o “clichê” passa a condição de modelo de partilha da comunicação. A apreensão semântica estaria de tal forma consolidada que resta ao homem contemporâneo a opção de ascender aos estereótipos.

Convém considerar o estereótipo como um referencial de valores, uma idealização discursiva ou mesmo um elemento de composição na constituição das interações sociais.

Estas considerações exigem um modelo específico para avaliar a institucionalização de atos e relações, por força da cultura ou hábito; seja pela institucionalização de um ponto de vista, um referencial comum prevalecendo como uma “verdade”.

Tomemos o campo artístico, cada universo de saber tem a sua doxa específica, ou seja, um conjunto de pressupostos simultaneamente cognitivos e avaliativos, cuja aceitação é uma implícita submissão ao conjunto. Destarte, seja um juízo ortodoxo ou heterodoxo, tem em comum a adesão tácita a mesma doxa que ratifica a oposição e ordena seus limites.

Considerando a verbalização obrigatória que estabelece uma linguagem pré-fabricada e estereotipada, em que deixa de haver espontaneidade e autenticidade, restando apenas às elaborações conhecidas e formais. Atente-se para a ditadura da palavra onde o inexpressível e o mistério dos silêncios não encontram a sua realização. Um dogma segregado do seu substrato teológico é, segundo Blaga, uma antinomia transfigurada pelo próprio mistério que exprime.

A uniformização de conceitos e ações traduz a repetição como formulação lógica, transformando a reiteração numa comunicação de modus; fica uma questão: quanto ao clichê, o que ocorre primeiro? A repetição que o constitui e confere consistência ou a estabilidade que propicia o reemprego?

 A dessemantização do mundo leva considerar o sujeito como mais ou menos ativo nas relações que mantém com o mundo. O hábito, a robotização arrastou consigo a perda do significado de muitos comportamentos e preceitos; o indivíduo estará assim muito mais inclinado para viver de clichês.

A técnica da informação vai produzir a desmodalização e a desmobilização.  A doxa tem um papel de legitimação da canonicidade discursiva: a canonicidade duma série textual supõe a existência duma instituição discursiva.

A comunicação estética desenvolve-se na esfera da doxa. A língua franca da semiótica constitui uma forma de doxa. Os mestres da manipulação influenciam chefes de Estado, manipulam a informação, fazem e desfazem a opinião.

A comunicação entrou na era da facticidade. As sondagens dizem-nos apenas que as pessoas interrogadas se referem a uma paisagem interpretativa (não a um estado de coisas) acreditando que outros partilham essa mesma interpretação; uma opinião coletiva não é uma proposição, mas um conjunto de proposições de referência, um conjunto de atratores.

O lugar comum como dixis instituinte participa dessas formas enunciativas que têm atrás de si um ‘impessoal da enunciação’. Nenhuma identidade coletiva se mantém sem ideologia e sem a sua metafísica de bolso.

O médium precede a mensagem: primeiro inventou-se o canal e depois o canal impôs a invenção de conteúdos adequados (o CD-ROM interativo). Se as ciências naturais se movem no tempo darwiniano da evolução, as ciências da cultura movem-se num tempo lamarckiano, feito de tradições e de rupturas.

 

  Dudu Oliveira.

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O homem diante da Arte.

junho 18, 2009

 

                            

 

      A arte tal como a antigüidade definiu representa somente a imitação, a intenção de representar a natureza e as interferências humanas na própria natureza. Arte também é a tentativa de expressar além do discurso formal e encontrar dentro da formalidade insuspeitada a referência ao belo e ao que mais aproxima criador e criatura.

Considerando o caráter representativo das primeiras manifestações de expressão; individualmente teríamos os vínculos comuns: sobrevivência, fome e tudo que fosse básico. As necessidades comuns somadas aos laços criaram um código mínimo para as relações mais objetivas.

Todos os vestígios desta fase do aparecimento do homem, objetos, ritos, pinturas e mesmo fósseis, que de certa forma registram a passagem do tempo e os avanços da espécie humana dentro da cadeia biológica, foram convertidas a condição de arte.

Então o conceito de imitação é correto até a intenção de relatar e representar situações cotidianas, sem considerar a fragilidade da comunicação daquele homem primitivo e a sua relação com o mundo que habitava. Entretanto esta conceituação se mostra incompleta, uma vez que a manifestação artística não se encontra aprisionada a representação figurativa e a própria capacidade deste homem em dar vazão as suas fantasias e se situar diante do desconhecido.

A manifestação também se dá pela via emocional e pela necessidade de compreender seu lugar no mundo e do fragmento a que ele pertence. Estas relações não são concretas ou completas, elas se sucedem em convívio com seus próprios paradoxos.

O homem vive um mundo de muitas perguntas e poucas respostas, destes questionamentos se dará a relação com a comunicação e o objeto a comunicar.

A arte como forma de relacionar e comunicar sofre também todas as variações comuns a qualquer fenômeno, algumas formas de expressão sofrem de um anacronismo por se deter num fatual datado, outras inversamente revelam um caráter fantástico que quase as transformam em fantasia, justo por lhes faltar verossimilhança ou uma âncora fatual.

O aspecto fantástico, quando levado a extremos é capaz de distorcer o figurativo até as fronteiras do abstrato, deixando da idéia representada pouco ou quase nada, como fosse necessário dispersar a essência para depois reorganiza-la e assim reconstruir o código, livre de quaisquer proposições coletiva ou mesmo estranho ao protagonista da representação ideal.

A relação com o abstrato é uma relação de liberdade, anti-convencional e de superação dialética. Desta forma a liberdade é só um novo limite, para ser desafiado, enfrentado e quem sabe até vencido.

As formas são alteradas, adaptadas, desenvolvidas e transformam-se em matéria atemporal da relação entre artista e mundo.

Se a arte é interferência, comunicação necessária, individual, unilateral e unívoca; o mundo é o outro, o objetivo, a razão e o eco dos questionamentos. Onde se dará o enfrentamento de todas as leituras possíveis do mundo; seja o enfoque dialético, estético ou mesmo da relação humana.

Não há troféu, não há vitória; a busca da liberdade individual faz parte da luta da identidade coletiva. A expressão da arte figurativa durante muito tempo, e ainda hoje, foi, e é interpretada de uma maneira até ingênua como a ditadura da forma, mas a relação estética se projeta além da forma.

A busca do belo, do perfeito e as inquietações acerca de sua própria origem e identidade, paradoxalmente, apontam para uma ordenação do caos, uma ordenação ontológica, onde a compreensão revelará a situação do homem num universo abissal, cuja grandiosidade o avilta. Numa tentativa de buscar uma relação pacífica com o seu lugar no universo. A ciência, a arte e toda forma de conhecimento ordenado apontam para esta busca incessante.

Ainda nos conflitos bélicos e nas convulsões sociais o que se discute é quem somos, o quanto podemos. Tememos não ser os protagonistas da história e essa aflição, essa incerteza desmontaria toda a cosmogonia que criamos para justificar as hierarquias que legitimamos.

A arte é um registro orgânico de toda esta trajetória, do quanto o elemento homem se sente estranho no elemento mundo e quais foram os mitos que ele evocou para superar essa angústia. A subversão da arte não é a compreensão do homem ou do mundo, mas a constatação que a via do homem é o homem.

Para tudo que desconhecemos ou supomos conhecer, o homem estabeleceu uma convenção e se fez prisioneiro dela. Adiante esta convenção se tornou pilar de outras convenções, que não se ajustavam naturalmente ao contexto. Assim criamos uma rede de ficção e simulacros para sustentar o nosso desconforto com o desconhecido.

Chamamos esse expediente de criar convenções de ciência ou conhecimento; criamos caminhos para disfarçar a nossa ignorância que é o outro nome do desconhecido; e esta convenção, que é o conhecimento, se desnuda e mostra o nosso real valor diante da brutal grandiosidade do universo.

O esforço da arte em capturar uma representação real do mundo, não se cumpre; mas resulta deste movimento a visão que o homem tem dos seus múltiplos papéis na grandiosa cena da existência.

Ao depararmos com a empobrecida composição da imagem do homem preso a sua própria gravidade, maior até que o fenômeno de que teve origem, confinado em mitos de hegemonia a denunciar seu desejo de primazia diante da grandeza do universo. A arte é só mais um caminho para compreender a trajetória da humanidade; como se vê; o que deseja; o que teme; o que espera…

Através da capacidade que o homem desenvolveu de criar objetos e modificar o mundo para seu proveito, despertou uma necessidade de projetar seus sonhos em todas as direções, e conquistar o que nele se propõe como desafio. Novamente o homem ficou exposto ao gigantismo e a incapacidade de se incluir nas analogias onde não predomina. Pouco se busca de representação do microcosmo, menos ainda se confronta a figura humana no macrocosmo; como se encontrada a escala da existência humana, seus atos não se submetessem a outro juízo que não o da razão de sua própria existência. Para estas interpretações foi necessário estabelecer uma relação deus/homem, de semelhança e correspondência, que melhor ratificaria todas as teogonias que se seguiram para referendar o etnocentrismo. Justo na criação do mito, na confecção do intangível, foi onde a arte se mostrou de fato profícua.

Sendo a arte a via do homem pelo homem, há uma ruptura do indivíduo, que transporta as suas inquietações mais profundas e ameaça a ordem estabelecida, desnudando esta relação de desconhecimento e temor por não possuir nas mãos o controle do seu próprio destino.

Quanto aos grandes mestres, são a prova cabal da convenção, da necessidade da construção de um paradigma, e da manutenção do mesmo. É a super estrutura, com suas cátedras, seus ciclos e todo um arcabouço de valores e relações semânticas que irão criar a sensação de encadeamento, descoberta e reconhecimento para validar uma concepção estética e ratificar a ideologia da supremacia humana no centro do universo.

A consciência humana deriva de saltos de uma humilde significância até uma insustentável arrogância; como não há material conhecido para conter a projeção de grandeza que sempre empurrou o elemento humano para adiante, ainda que não soubesse o que esperar do futuro, do desconhecido, seguir adiante foi à única lição assimilada.

Como toda intervenção humana pode ser descrita como arte, as intervenções originais que derivam de um questionamento mais apurado, direcionando as inquietações e angústias, que dentro do padrão de realização individual, apontaria um nível de consciência acima do elementar.

A consciência coletiva experimenta uma liberdade possível somente do ponto de vista individual “inconsciente”, no limite do desejo, ou seja, o que intimamente está contido na vontade do indivíduo, sem quaisquer juízos ou reservas, não cabe em considerações, pois que esses valores morais são incontestavelmente exteriores, dele o indivíduo não se vale para sua própria persuasão. Ninguém é juiz de si mesmo; a culpa é em parte a manifestação do meio, e porque não, do outro; na relação de afirmação ou negação que nos sustenta.

A arte como expressão, deriva de um estado de consciência e das variações a que este estado sofre. Ainda que ela consiga uma significância no racional coletivo, ela só tem o caráter da proposição individual. Por mais que o meio imponha uma interpretação didática, o que prevalece é uma impressão individual, às vezes claramente insegura, que possivelmente sem a leitura didática da conceituação estética, realizaria o resgate da percepção individual.

A arte freqüenta cartilhas, confinou-se em verbetes, elegeu mitos; como possuísse personalidade e optasse pela forma como participaria da vida do homem. O que esta ideologia afirmativa pretende ocultar é o processo dinâmico onde o homem e a arte se constitui indissociavelmente, e um influencia de maneira contundente o conteúdo do outro.

A comunicação objetiva e subjetiva contida no painel “Guernica” de Pablo Picasso, tem relação histórica, fatual, ideológica, estética, iconografica, etc. Se tal obra fosse convertida em texto e buscasse evocar o que cada imagem, cada cor pretendia registrar, denunciar, relatar; talvez tivéssemos um registro mais objetivo e seguramente mais distanciado da originalidade interpretativa que só o diálogo alcança.

Nenhum conceito emprestado é melhor que a própria palavra para registrar o assombro e o estranhamento; é necessário que haja um deslocamento do sujeito, para que a partir daí ele possa ler as suas próprias posições. O juízo do decodificador, o destinatário da mensagem, deverá descrever o que lhe suscita, move e atinge naquele conteúdo.

O código comum não unifica as interpretações subjetivas, que se fazem justas e à medida da maior intimidade/sensibilidade com que projeta o indivíduo para dentro do universo da arte, se abstendo de qualquer juízo; positivamente, nesta relação original, onde não cabem erros ou acertos, a introspecção é tão importante quanto à perplexidade e a indiferença é a morte.

A personalidade é construída e constituída a cada momento, o que faz com que a realidade em toda a sua plenitude seja um grande processo, cujo objetivo é um aprimoramento constante; um despertar de vocações, de interesses que vão se ajustando a uma visão mais madura do mundo.

As convenções que foram incorporadas com o objetivo de projetar a realização do mundo ideal tornaram-se também um obstáculo, uma vez que da sua superação resultará um vício; haverá homens incapazes de romper com as convenções criadas o que resultará em variáveis de comportamento e assimilação dos novos conceitos e valores questionados.

Se parte da humanidade avança enfrentando os desafios propostos,  desbravando o desconhecido, uma outra se mantém entrincheirada numa fantasiosa representação para se defender de uma realidade implacável, que não reconhece valor neste comportamento, nem nesta parcela da humanidade.

As mudanças que o homem opera no mundo são parte de um movimento cuja seqüência é a mudança que o mundo modificado irá propor a este novo homem; esta relação dinâmica e constante estabelecerá uma direção e a alternativa será incorporar as mudanças ou tornar-se obsoleto, sem importância ou descartável.

A arte em suas múltiplas funções tem no reconhecimento a sua maior relevância, devido à interação dinâmica e intertextual. O reconhecimento é a projeção de seus conceitos e valores; o encontro do criador e a inquietação da criatura. A obra de arte é a realização do encontro e daí para adiante tudo é eco deste diálogo.  

 

 Dudu Oliveira.

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A trapaça de Platão.

junho 17, 2009

 

 

A leitura de filosofia é sempre uma empreitada árdua, a única interlocução possível é o confronto direto com a obra, e a prospecção dos resultados se dá no espírito do objeto da experiência, o leitor. A analogia que reflete um modelo fiel a este exercício é a dos atletas individuais, com a sua luta contra suas próprias marcas e limites, desafiando o seu próprio esforço, desdobrando-se, enfim, diante de um propósito possivelmente inatingível.

As inúmeras obras que constituem este patrimônio impressionante, que sem ordenação acadêmica adequada foi se tornando caótico e fragmentado, estabeleceu um labirinto de teses que originou apropriações e segmentações de abordagens descontinuadas, por modelos esgotados, por urgências contemporâneas e até mesmo pelo efeito pernicioso das antíteses.

Fundaram-se inúmeras escolas e conceitos, tornando a própria atividade contemplativa da filosofia numa intervenção física do indivíduo, apartando-o do cotidiano onde a experiência deveria ser desenvolvida e observada.

Uma questão original no estudo da filosofia é a impossibilidade de ler Sócrates, que chega ao conhecimento de todos por suas três fontes conhecidas, Platão, Xenofonte e Aristóteles. Diante de uma minuciosa análise das descrições de Sócrates é possível conjeturar que não era de seu desejo legar suas considerações sobre sua matéria de estudo. Cada referencia que encontramos, seja sobre seus hábitos, seja sobre seus valores, comunicam objetivamente um exercício de sua vontade.

Todos os seus atos, da forma como estão descritos, conduz a convicção de um homem pleno de suas faculdades, senhor absoluto dos seus atos, até na atenção sonegada aos filhos cabe como elemento na analise da sua práxis. Logo é pertinente admitir que fosse vontade de Sócrates que suas teses, sua prática extrapolasse os limites de qualquer descrição, que mesmo ele pudesse engendrar.

A intensidade contida nos registros conhecidos da biografia de Sócrates quando aborda seus embates com os sofistas ou os magistrados, na oportunidade do seu julgamento, inclusive, trazem elementos concretos do alcance das atividades deste filósofo.

Então por que Sócrates na sua objetiva coerência não registrou de nenhuma forma, sua filosofia?

A leitura de filosofia resulta numa experiência profunda, cuja representação e expressão de idéias exigem um altíssimo nível de abstração e uma sincronicidade rigorosa com o texto apresentado; qualquer perda pode significar a corrupção do fenômeno estudado, comprometendo a qualidade do conhecimento prospectado.

O método aplicado por Sócrates exigia uma observação pessoal que seria confrontada através da ironia, esta simples observação exige uma situação pessoal para a consideração do limite do conhecimento individual, até que o interlocutor admita a sua ignorância e aí reconheça as fragilidades das suas certezas.

Percebendo em todo percurso do filósofo o rigor que ele aplicava aos próprios atos, é possível aceitar que para Sócrates a compreensão do limite do conhecimento em cada homem será atingida em buscas pessoais, individualmente e não no modelo sofista de educação.

É possível considerar ainda, que Sócrates cultivava o aprendizado e desta forma vivia a responsabilidade dos seus discípulos, enquanto os sofistas acreditavam na educação e os eventuais desvios de seus alunos eram conseqüência dos vícios destes; sem quaisquer responsabilidades dos seus preceptores.

O conhecimento permanecia imutável, onde sempre esteve e a transcendência caberia ao homem e na sua busca pela virtude, pelo bem e pela justiça.  Quando Platão, Xenofonte e Aristóteles difundem a pessoa de Sócrates e fundam o mito do criador da moderna filosofia ocidental, cria como efeito difuso, uma demanda pelos estudos filosóficos. Ainda hoje inúmeras pessoas acreditam na possibilidade de um estudante de filosofia tornar-se filosofo.

O estudo da filosofia confere bases e conceitos para a evolução do filósofo, do homem que questiona que investiga, que prospecta nas evidencias, que se empenha em desmistificar “verdades” fundadas em mecanismos de assimilação e apropriação, comuns desde sempre, como as crenças e o exercício do poder constituído.

A fundação da Academia colocou o modelo Socrático de aprendizado muito próximo do modelo sofista, houve uma demanda de alunos para esta nova dimensão da propagação do conhecimento, sem que houvesse qualquer indício de contribuição de Platão ao método Socrático.

O vício deste modelo é o deslocamento do conhecimento da possibilidade real do indivíduo para o volume das vertentes exploradas. Tudo o que a filosofia não poderia ser é esta definição de acumulação de conhecimentos, quando nos seus métodos primordiais está claro a necessidade de especular até a base das convicções para reestruturar o indivíduo.

A filosofia de Sócrates projeta o filósofo para um ajuste da polis em direção do bem, da virtude e da justiça. A Academia busca redefinir os homens partindo do estereótipo Sócrates e encontra neste percurso inúmeras ambigüidades, que embora clássicas ainda careçam de uma instrução mais apurada.

Um exemplo de ambigüidade está na Teoria das Idéias em Fédon, quando confrontada com o cerne de Sofista; a matéria não é conclusiva permite diferentes interpretações, então deveria ser objeto da atenção dos filósofos, porém permanece na imutabilidade dos clássicos. 

O campo do filósofo é a realidade e seu laboratório é a perspectiva que esta realidade consegue pronunciar. O método de Sócrates trazia a proximidade dos discípulos, realizava a convivência do filósofo com as diversas visões do seu mundo. Estimulava a desconstrução dos juízos e refutava as certezas agregadas sem questionamento filosófico adequado.

Atualmente a academia propaga livros, teses como fossem conhecimento. As linhas tradicionais de organização do conhecimento acadêmico se diversificaram de tal forma que é possível dois ramos de saber defender teses antagônicas gerando novas ambigüidades, novas contradições.

O conhecimento amplifica o homem básico, ressalta suas qualidades, evidencia suas contradições, porém não repara seus vícios. O desdobramento que a instrução da filosofia tomou a partir deste novo conceito, reflete o esvaziamento da virtude que transformou, para inúmeras pessoas, a existência em repetições, conceituações e comprometimentos inconscientes que não atenuam nem esclarecem suas angústias.

 

Dudu Oliveira.